International Journal of Cinema

ARTIGOS | ESSAYS
CONTRIBUTOS

MODERNISTAS À PLASTICIDADE SONORA
DO DOCUMENTÁRIO
(1930-1940)
de
José Alberto Pinto
CONTRIBUTOS MODERNISTAS À PLASTICIDADE SONORA DO DOCUMENTÁRIO (1930-1940)
de José Alberto Pinto

O presente artigo, «Contributos Modernistas à Plasticidade Sonora do Documentário (1930-1940)», acentua a importância do contributo “avant-garde”, anteriormente abordado na tese de mestrado de 2007 -“Polifonias do Documentário: Linguagens Sonoras e Plasticidades Documentais (1930-1940)” – resultante do meu crescente interesse, como cineasta e investigador, pelos aspetos sonoros do cinema. Inicialmente centrado nos anos 30 e 40 do século XX, esse interesse foi-se alargando a outras épocas, géneros e cinematografias, de modo a evidenciar a relação de paralelismo e de contaminação entre Arte e Cinema.

De que modo a experimentação artística do sonoro e dos seus dispositivos e valências plásticas influenciou o cinema, nomeadamente o de animação e o experimental? Qual a influência do cinematográfico na construção do universo artístico contemporâneo?

Questões de interesse, que não estão, no entanto, na origem das recentes investigações teórico-práticas que desenvolvo no âmbito do doutoramento em artes plásticas, agora mais centradas no estudo e na experimentação da, genericamente designada, Arte Sonora.

Seja como for, o período inscrito no artigo pareceu-me particularmente criativo, potenciado pela dificuldade técnica em obter som sincronismo e pela necessidade de uma construção sonora diegética produzida em estúdio. De resto, creio que o interesse deste estudo resulta dessa evidenciação e da aproximação feita , do ponto de vista sonoro, entre o movimento modernista e os diferentes autores e movimentos do cinema documental, mas do ponto de vista sonoro.

Essencial a este estudo, foram as leituras de Bill Nichols, ErikBarnow, Michel Chion e Douglas Kahn, mas também de John Cage ou Murray Schafer ou da edição do Centre Pompidou, “Sons etLumières: Une histoiredusondansl’artdu XXe siècle”.

Abstract

The experimental attitude proclaimed by modernist avant-garde was present, not only in fine arts practices held by futurists, dadaists, surrealists or constructivists artists, but also in the way they have made artistic use of the new technical possibilities introduced by phonographic or cinematographic equipments. A new and experimental representation of real through sound and film collages, full of plastic and ritmic elements coming from painting and music, as well as from the acusmatic sound and pre-sound practices of cinema.
Reality that became more “understandable” through naturalistic film representation of sound and images, of montage, assumed for most of the cinematographic documentary films. Films where sound became informative in his words, realistic in his synchronized noises and talks, dramatic and heroic in sounds contrapuntist and non- synchronized approach to image narrative.
Poetic sounds that give the sense of artistic freedom experimented by the avant-garde noise and radioart, even when linked to “reality” too (a film it’s always a construction).

Keywords: Modernism, Cinema, Documentary, Sound, Collage.

Introdução

O documentário sonoro resulta, não só das práticas pré-sonoras ou sonorizadas desenvolvidas em torno do cinema, envolvendo interpretações musicais ao vivo, a intervenção de um apresentador ou o uso de gravações, mas também de um conjunto de práticas sonoras desenvolvidas pelas vanguardas no início do século XX.

Vanguardas que recorrem a equipamentos fonográficos e cinematográficos para abordar a realidade, produzindo novas e experimentais modalidades de representação, que remetem para noções de collage, de plasticidade e de montagem entre universo sonoro e visual.

Origens do sonoro

Contrariamente ao que seria de esperar, as origens do cinema não remontam apenas ao Kinetógrafo (1892) de Thomas A. Edison, à película cinematográfica de Eastman, que Edison perfurou lateralmente, ou ao Cinematógrafo (1895) dos irmãos Lumière, mas também, segundo Jacques Aumont e Michel Marie, à necessidade sentida por Edison de proporcionar acompanhamento visual para o seu Fonógrafo (1877): «Desde a origem que o cinema é sonoro. Foi para acompanhar o fonógrafo que Edison inventou o seu kinetógrafo. Os primeiros filmes foram, portanto, acompanhamentos visuais de gravações sonoras.» (Aumont/Marie, 2008: 238).

Depois das “Nichel-in-the-slot machines”, nome pelo qual ficou conhecido o Kinetóscopio (1891) de Edison, e numa primeira tentativa de proporcionar cinema sonoro, surge, entre 1894 e 1895, o Kinetófone, aparelho que conjugava o registo visual do Kinetógrafo e o sonoro do Fonógrafo de rolos, cuja audição, ténue e pouco nítida das vozes, era escutada por intermédio de dois tubos com um formato idêntico ao de um estetoscópio.

Em Agosto de 1895, um jornalista de Bruxelas, citado por Laurent Mannoni (La Grand Art de la lumière et de l’ombre, pág. 375) saúda o novo Kinetófono: «O kinetoscopio está actualmente superado. Edison inventou o kinetófono. Não só se vê a dança do ventre, como se ouve essa melopeia que nos perseguia sem piedade na Exposição de Amberes. Vê-se desfilar Napoleão diante uma trintena de personagens, agitando-se e movendo-se ao som de marchas ruidosas e cantos patrióticos. (Chion, 1985: 42)

Desejo de sonorização do cinema - com música, voz e ruídos - que procurava conjugar, técnica e linguisticamente, as noções espaciais, temporais e de continuidade interiorizadas pelos espectadores, acrescentando ilusão e emoção às projeções cinematográficas, no entender de Michel Chion, organizadas de modo a colmatar, mais do que a mudez evidenciada por uma ausência de som apenas compreensível na fotografia, a surdez devida à incapacidade da película proceder a um registo, simultaneamente, sonoro e visual do real.

Em primeiro lugar, porquê “cinema mudo”? Resultaria interessante perguntar quando surgiu esta expressão. Logicamente, teria que ter sido quando nasceu o cinema falado, quando este tornou claro que até então o cinema tinha carecido de voz. (Chion, 2004: 19)

A história do som no cinema principia, não como muitos historiadores pensam, com a introdução do cinema sonoro, mas com a invenção do próprio cinema. Em nenhum momento da história do cinema foi costume exibir publicamente filmes sem qualquer género de acompanhamento sonoro. Por outras palavras, o cinema mudo [silencioso] nunca existiu.1

Sonorização do cinema ocorrida com recurso à música de piano, quarteto ou orquestra, à figura do apresentador, como leitor dos intertítulos e comentador da narrativa, às companhias formadas por músicos, atores e percussionistas que dobravam os filmes colocados por detrás do ecrã, ou a mecanismos de reprodução, como o Gramofone criado por Emile Berlier em 1887.

Somente em 1924, quando Lee deForest experimenta o seu Phonofilm, sistema de som óptico que permitia incorporar o som na película, podemos falar em simulacro eficaz do sincronismo e num novo rigor de inter-relacionamento entre som e imagem, entre “banda de som” e “banda de imagem”. Não tardaria muito até que a mudez dos filmes mais importantes fosse substituída por algumas falas e por breves momentos musicais, situação mais facilitada nos filmes documentais e nas “reportagens”, graças ao não-sincronismo da voz do narrador e à sua natureza acusmática.

A questão do sincronismo

A chegada do cinema sonoro deu lugar a um importante debate acerca dos méritos e deméritos do sincronismo introduzido pelo “cinema falado”, onde a relação de dependência entre imagem e som se acentua, centrada, geralmente sobre a forma de diálogo, na palavra. Um sincronismo nascido do desejo de unir diferentes registos, o da imagem do corpo e o da audição da voz, em busca de uma coincidência temporal absoluta entre estas duas entidades autónomas, assente no dualismo de representações e na procura de uma totalidade, nem sempre, tecnicamente, coincidente com os convencionalismos concebidos durante o período mudo (Chion, 2004: 132). Relação de dependência entre som e imagem, resultante da obsessão inicial do sonoro pelo sincronismo da fala, temida pelos cineastas como determinante de um regresso ao teatro e à literatura, que pusesse em causa o bom nível de expressividade cinemática alcançado na fase final do mudo.

Quando a técnica do filme sonoro superou a arte do filme mudo, disse que destruiria a cultura deste, que tão alto grau de desenvolvimento tinha alcançado. Acrescentei que era um fenómeno unicamente passageiro, que só duraria até que as formas expressivas do som se tivessem aperfeiçoado. Escrevi que tinha tido lugar uma catástrofe sem precedentes na arte. Mas também escrevi que seria impossível voltar ao cinema mudo (…) seria uma ação carente de sentido. (Balázs, 1978: 160)

Ao mesmo tempo que alertava para algumas situações, Bela Balázs interessava-se, tal como a maior parte dos cineastas seus contemporâneos, pelo estudo das possibilidades dramáticas do som e pela importância acústica da natureza e da intimidade das vozes: o cinema sonoro deveria ser sensível e desenvolver-se, de modo a recriar e dar expressão à grande orquestra da vida.

O som não será um complemento da imagem, senão objecto, causa e momento dinâmico da acção (…) O som pode originar acontecimentos, da mesma forma que a impressão óptica. (Balázs, 1978: 163)

Expressividade do som, também ela assumida por René Clair, em The Art of Sound (1929), como uma última esperança para os defensores do “cinema silencioso”, ao distinguir entre “filme falado” e “filme sonoro”.

O filme falado não é tudo. Existe também o filme sonoro, ao qual as últimas esperanças dos defensores do filme mudo estão presas. Eles apoiam-se no filme sonoro para fugir ao perigo representado pelo surgimento das falas, num esforço para se convencerem a si próprios de que os sons e ruídos que acompanham os filmes possam proporcionar um entretenimento suficiente às audiências que as impeçam de pedir diálogos, e possam criar uma ilusão de realidade menos danosa para a arte, do que o filme falado.2

Filme sonoro, onde a diversidade e o assincronismo dos sons e ruídos permitiria, no entender de Alberto Cavalcanti, em 1939, dar início a uma segunda etapa do cinema sonoro, em que as possibilidades expressivas da fala e do comentário pudessem ser melhor aproveitadas.

Alguém terá aqui encontrado as possibilidades de uma outra forma de discurso não-sincronizado do comentário. Mas tanto a ingenuidade do público como a dos produtores foi contra a exploração e o desenvolvimento deste dispositivo dramático. O público queria ver as pessoas falarem sincronizadamente. Para meu desgosto, o discurso não-síncrono, isto é, o comentário, foi relegado para o papel comparativamente menor de proporcionar continuidade e “história” às narrativas de viagem, atualidades e documentários.3

Essencial à conceptualização das interações entre o sonoro e o visual, apesar do desfasamento inicial no acesso a equipamentos sonoros, relativamente aos Estados Unidos da América e ao resto da Europa, foi o contributo dos cineastas russos, Sergei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin e Grigori Alexandrov, à conceptualização das interações entre o sonoro e o visual, ao defenderem, na declaração publicada em 1928, A Statement on the Sound-Film,4 uma utilização contrapontística do som assente no não-sincronismo e na rejeição do uso meramente ilustrativo da imagem. Os sons deveriam ser tratados como elementos de montagem assíncronos que permitissem, reconhecida a sua paridade com a imagem, alcançar um novo e expressivo poder metafórico.

«SOMENTE UMA UTILIZAÇÃO CONTRAPONTISTICA do som, relacionada com a montagem visual, permitirá proporcionar novas possibilidades de desenvolvimento e aperfeiçoamento da montagem.

O PRIMEIRO TRABALHO EXPERIMENTAL COM SOM DEVE SER ORIENTADO NO SENTIDO DE UMA DISTINTA NÃO-SINCRONIZAÇÃO COM AS IMAGENS VISUAIS. E somente semelhante ataque dará a esta aproximação a necessária evidência que levará à criação - de um CONTRAPONTO ORQUESTRAL de imagens visuais e auditivas. (Eisenstein, 1949: 258)

Reagindo a esta corrente de não-sincronismo, Dziga Vertov considerou a abordagem contida neste manifesto como demasiado restritiva, atendendo às possibilidades expressivas do sincronismo.

As afirmações acerca da necessidade de assincronismo entre o visível e audível, como as declarações sobre a exclusiva necessidade de filmes sonoros ou de filmes falados, não tem grande importância...A sincronização ou a assincronização entre o visível e o audível não são de modo nenhum obrigatórias...Os excertos de som e silêncio são editados de acordo com os mesmos princípios e podem coincidir, não coincidir, ou diluir-se um no outro em combinações diferentes e essenciais. Deveríamos igualmente rejeitar a confusão absurda que classifica os filmes de acordo com as categorias de fala, ruído e sons (falante, ruído e som/sonoro).5

Valorização do sincronismo, da polifonia e da montagem sonora, que permitiu encarar o som como gerador de novas possibilidades criativas decorrentes da subjectivização e manipulação sonora, e de relações de dissonância, contraste, analogia e assincronismo entre o sonoro e o visual. Sonoro, onde a música, a voz e o ruído se vê expandidos, na sua expressividade, plasticidade e dinamismo, pelo experimentalismo artístico das vanguardas modernistas.

O contributo das vanguardas modernistas

Quando, a 20 de Fevereiro de 1909, Filippo Tommaso Marinetti publica o seu Manifesto Futurista no jornal parisiense Le Fígaro, o Futurismo dá-se a conhecer ao mundo e introduz princípios anti-tradição que visavam agitar a sociedade cosmopolita e envolver o artista, enquanto indivíduo, numa relação de experimentação permanente do contemporâneo.

4 - Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade.(…) 8 - Nós estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. (…) 11 - Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifónicas das revoluções nas capitais modernas; (…).6

É neste espírito de inconformismo e de revolta, de convulsões sociais e políticas que antecederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mas também de renascimento e redescoberta, de fascínio e juventude, que o Futurismo assume a posição artística de rotura que lhe permitirá encontrar no ruído o elemento dinâmico e simbólico representativo da modernidade.

Encorajado por este inconformismo, Francesco Balilla Pratella, jovem compositor e teórico, apresenta o Manifesto dos Músicos Futuristas (1910), onde defende «a liberação da sensibilidade musical individual de toda imitação ou influência do passado, sentindo e cantando com o espírito aberto para o futuro, extraindo inspiração estética da natureza, através de todos os fenómenos humanos e extra-humanos nela presentes. Exaltando o homem-símbolo, eternamente renovado pelos variados aspectos da vida moderna e sua infinidade de relacionamentos íntimos com a natureza.7». Pratella, que não sendo suficientemente audaz para propor uma rotura com o passado, no que toca aos instrumentos musicais sinfónicos mais tradicionais, se preocupou com questões tonais e de harmonia idênticas às que haviam levado Arnold Schoenberg à atonalidade, em 1909.

Contrariamente a Pratella, o pintor e músico futurista Luigi Russolo, no seu manifesto, L’Arte dei rumori (A Arte dos Ruídos, 1913), introduz conceitos sonoros importantes como o de “som-ruído” e de “ruído musical”, o primeiro, como manifestação da máquina e símbolo da vida que acompanha o cosmopolitismo do homem moderno, o segundo, como organização sonoro-musical da amálgama de ruídos e das suas dissonâncias e riquezas tonais e rítmicas.

(...) !FORA! Saiamos, uma vez que não poderemos travar por muito tempo em nós o desejo de criar finalmente uma nova realidade musical, com uma generosa distribuição de bofetadas sonoras, descartamos violinos, pianos, contrabaixos e pujantes orgãos. !Saiamos!

(...) Atravessemos uma grande capital moderna, com as grandes orelhas mais atentas que os olhos, e desfrutemos distinguindo os refluxos de água, ar e gás nos tubos metálicos, o rugir dos motores que sopram e pulsam com uma animalidade indiscutível, o palpitar das válvulas, o vaivém dos pistões, a estridência das serras mecânicas, os saltos do comboio sobre os carris, o fender das chicotadas, o golpear dos toldos e das bandeiras. Divertir-nos-emos orquestrando mentalmente o estrondo das persianas das lojas, as sacudidelas das portas, o burburinho e o caminhar das multidões, os diferentes buliços das estações, das fundições, das fiadeiras, das tipografias, das centrais eléctricas e dos caminhos de ferro subterrâneos.

Também os novíssimos ruídos da guerra moderna não serão esquecidos. Recentemente o poeta Marinetti, em carta enviada das trincheiras de Adrianópolis, me descrevia com admiráveis palavras livres a orquestra de uma grande batalha:(...).8

Grande apreciador da música de Pratella, e seguidor dos ensinamentos de Ferruccio Busoni e do seu ensaio, Eentwwuurf einer neuen Astetik der Tonkunst (Esboço de uma Nova Estética da Arte do Som, 1907), Russolo remete para o passado as sinfonias clássicas dos grandes mestres e a sua negação do ruído, e optar pela orquestração dos sons naturais e cosmopolitas, de modo a «controlar e regular, harmónica e ritmicamente, estes variadíssimos ruídos9», sem que a «arte dos ruídos se deva limitar a uma reprodução imitativa».

A importância do ensaio de Busoni reside na sua afirmação de que os instrumentos tradicionais estavam “cansados”. O seu reconhecimento intuitivo das novas possibilidades tonais permitiu-lhe acreditar “... numa perfeição de execução do som abstracto sem impedimentos: na falta de limites dos sons. (...) A investigação microtonal com que Busoni lida amplamente (assim como Charles Ives, Alois Haba e depois os proponentes do som electrónico) é a base para a aplicação e a prática deste novo conceito musical que Russolo concretizou através da construção dos intonarumori ou “ruído carentes”. Este processo decompositivo inicialmente explorado pelos primeiros futuristas, e depois adoptado pelos dadaístas, tornou-se finalmente uma característica de todas as vanguardas históricas no limiar entre os séculos 19 e 20. A mudança brusca havia ocorrido na definição da natureza de uma obra musical, agora entendida como uma estrutura de sons.10

Idêntico entendimento acerca do ruído tinham Nicolai Lapotnikoff e Carol-Bérard, ao afirmarem o seu interesse pela introdução de gravações de sons extra-musicais na orquestração das suas composições. Nicolai Lapotnikoff, segundo descreve Henry Cowell11 em 1931, para além de «fazer gravações fonográficas de diversos ruídos de fábricas e de rua, sincronizados e amplificados como percussão de fundo para a gravação de música escrita para teclado», também compunha para «instrumentos mecânicos» que permitissem execuções «incrivelmente rápidas, de combinações impraticáveis para as mãos dos músicos», criadas com a finalidade única de virem a ser gravadas. Carol-Bérard, compositor influenciado pela música e pelos instrumentos primitivos, autor da Symphonie des forces mécaniques (1908), onde utilizava motores, campainhas eléctricas, apitos e sirenes, escreveu, em 1929, um artigo acerca da problemática da instrumentalização dos ruídos na música e da necessidade de conseguir gravar e associar, organizada e criativamente, os ruídos, de modo a permitir a elaboração de composições assentes em sons não-instrumentais.

Se os ruídos fossem registados, podiam ser agrupados, associados e cuidadosamente combinados, como acontece aos timbres de vários instrumentos numa rotina da orquestra, embora com uma técnica diferente... . Poderíamos assim criar sinfonias de ruídos que seriam agradáveis ao ouvido. Existem hoje muitas sinfonias que apenas são agradáveis, enquanto em liberdade e por registar há um miríade de deliciosos sons - as vozes das ondas e árvores, o movimento choroso do cordame da vela de um navio, o descer deslizante de um avião, o coro nocturno de sapos em torno de uma piscina.12

Sons e ruído que permitiram aos dadaístas encontrar um sentido artístico absoluto no “bruitism” (Kahn, 2001: 45-51), conceito que, segundo afirma Richard Huelsenbeck no Manifesto Colectivo Dada de 1920, tem origem em Marinetti e nos seus “poème bruitiste” e “le concert bruitiste”. “Bruitism”, que remete para a criação expressiva e rítmica das atonalidades poéticas resultantes da convergência entre a musicalidade dos ruídos extraídos de objetos performativos não-musicais e as dissonâncias vocais introduzidas por um certo recurso fonético primitivista13 às linguagens africanas negras e dos mares do sul, expresso nos Poemas Negros de Richard Huelsenbeck.

Atonalidades, igualmente, presentes na polifonia linguística europeia do Cabaret Voltaire14, em Zurique, através dos artistas russos, franceses, polacos, italianos ou alemães, utilizada por Hugo Ball15 em poemas sonoros como Verse ohne Worte (Poesia sem Palavras) e L’amiral cherche une maison a louer (O Almirante procura uma casa para arrendar), onde mistura palavras, aparentemente sem sentido, com cânticos e assobios.

Todos os estilos dos últimos vinte anos se reuniram ontem. Huelsenbeck, Tzara e Janco sobressaíram com um poema simultâneo. Ou seja uma récita onde três ou mais vozes falam, cantam, assobiam, etc., ao mesmo tempo e de tal forma que o conteúdo triste, humorístico, ou bizarro da peça é salientado por esta combinação. Num tal poema simultâneo, à qualidade do trabalho orgânico é dada forte expressão, o mesmo acontecendo à limitação dada pelo acompanhamento. Os ruídos (um rrrrrr produzido durante minutos, ou colisões, ou sirenes, etc.) são superiores à voz humana em energia.

O “poema simultâneo” tem a ver com o valor da voz. O órgão humano representa a alma, a individualidade no seu vaguear com os seus companheiros demoníacos. Os ruídos representam o fundo - o inarticulado, o desastroso, o decisivo. O poema tenta mostrar o facto de o homem ser engolido durante o processo mecanicista. Mostra de forma resumida o conflito da vox humana com um mundo que a ameaça, aprisiona e destrói, um mundo cujo ritmo e ruído são inevitáveis.16

Vanguardas inspiradas por automatismos criativos, como o do “poema aleatório” Dada, que Tristan Tzara17 instruiu, sob a forma de manual, em 1916, ou pela técnica de escrita automática concebida por André Breton, em colaboração com Phillipe Soupault, e por ele utilizada em Les Champs Magnétiques (1919-1920), antes do Primeiro Manifesto Surrealista (1924): «Breton substituiria as suas contribuições dadaístas agressivas, provocadoras e satíricas por uma literatura que excluía qualquer controlo racional do processo criativo, empregando técnicas de automatismo e acaso baseadas no inconsciente.» (Elger, 2005: 27).

Automatismo e acaso, também eles presentes na concepção de algumas das composições sonoro-musicais que interagiam, integradas em projecções, com o cinema de Marcel Duchamp (Anémic Cinema, 1926), Man Ray (Le Retour à la Raison, 1923, L’Etoile de Mer, 1928), Viking Eggeling (Symphonie Diagonal, 1921), Hans Richter (Rhythmus 21, 1921-1924; Rhythmus 23, 1923), ou Fernand Léger e Doudley Murphy (Ballet Mecánique, 1924), entre outros filmes onde «nem sempre é fácil determinar se são mais dadaístas ou surrealistas18».

Sons resultantes da afirmação de novas paisagens sonoras que importava descobrir, como forma de reentrar na vida e de trazer a energia vital do quotidiano para a arte, em registos efectuados por equipamentos sonoros de gravação e reprodução a que recorreram diversos artistas, desejosos por apreender e manipular o seu “realismo”, em composições sonoras performativas e musicais, mas também teatrais, radiofónicas e cinematográficas, possuidoras de um sentido poético que remete para a noção de collage desenvolvida nas artes plásticas desde 1911, após os papiers collés de Picasso e Braques. Collage, que assume um sentido fragmentário e de recontextualização do quotidiano e dos seus “objetos” sobre um único suporte, segundo uma técnica de sobreposição e justaposição que se estendeu a outras práticas e suportes artísticos, como a escultura (na assemblage dadaístas), a fotografia (na fotomontagem) e o cinema (Lopez, 2009: 66).

As colagens pertencem à guerra e à cidade, as formas diárias e últimas de deslocação, alienação e fragmentação. Para além de Flaherty, nenhum outro artista europeu ou soviético conseguiu fugir a tudo isto. A colagem tornou-se num correlativo estético à experiência social desarticulada. O efeito dissonante da inesperada justaposição de estranhas associações tornou-se um princípio fundador do formalismo russo. Como desfamiliarização, o dadaísmo, o construtivismo, a montagem de atrações de Eisenstein ou o efeito de alienação de Brecht, o princípio da colagem opera para reconfigurar em fragmentos o tempo, o espaço e o mundo que os sustém, fragmentos esses que podem aterrorizar, ou, como argumenta Walter Benjamin, fragmentos que podem libertar-nos da tirania da tradição.19

Dziga Vertov, incontornável experimentalista sonoro e cinematográfico da vanguarda russa, partilhou desta experimentação ainda enquanto estudante do Conservatório de Música de Bialystok (1912-1915), depois de conhecer os artistas russos, Osip Brik, Alexander Rodchenko e Vladimir Mayakovsky, por intermédio dos quais acede a diversos escritos futuristas italianos, entre os quais, A Arte dos Ruídos. Desperto para novas possibilidades sonoras, Vertov cria o Laboratório do Ouvido em 1916, onde organiza os registos que realiza com a ajuda de um fonógrafo, constituídos por vozes quotidianas e por sons naturais e mecânicos que serviam de fundo a alguns dos seus poemas, e onde mistura música com ruídos, sons com palavras e registos musicais fonográficos com sons instrumentais isolados.

Um dia na Primavera de 1918... ao regressar de uma estação de comboios. Ali permaneceu no meu ouvido o ruído prolongado da partida do comboio... as juras de alguém... um beijo... a exclamação de alguém... o riso, um apito, vozes, o tocar da sineta da estação, o soprar da locomotiva... sussurros, choros, despedidas... E vou pensando enquanto caminho: tenho de conseguir um equipamento que não descreva, mas registe e fotografe estes sons. De outra forma é impossível organizá-los, editá-los. Eles passam apressados como o tempo. Talvez a câmara de filmar? Gravar o que se vê… Organizar, não o mundo audível, mas o visível. Talvez seja essa a saída?20

Organização do audível através do visível, cada vez mais possível, graças ao cinema sonoro (1927-) e à sua utilização massiva do som óptico (o preferido por Dziga Vertov), que, pela primeira vez, permitia visualizar e isolar fisicamente os sons em diferentes fitas/rolos, agrupados segundo um conceito embrionário de multipistas que possibilitava cortar, misturar e montar com precisão. Também Walter Ruttmann, depois de realizar Berlim, Sinfonia de uma Capital (Berlin, Die Sinfonie Einer Grosstadt, 1927), explora essa possibilidade em Wochenende (Fim- de-Semana, 1930), “filme” sem imagens produzido para a RRG Berlim e transmitido numa sala escura pela rádio, onde retrata um fim-de-semana em Berlim, pleno de ruído e sons ambiente, de vozes, silêncios e música. Experimentações que encontravam correspondência nas palavras de Filippo Tomasso Marinetti21 e Pina Masnata, em La Radia(1933), onde afirmam «uma nova arte que começa onde cessa o teatro, o cinema e a narração»: a de um organismo vivo onde o som se torna rádioarte à medida que procede a um reordenamento estético distinto ao da música, que, já então atonal, resultaria concreta e electroacústica duas décadas após a apresentação de Wochenende.

Concepções experimentais protagonizadas pelas vanguardas, que, no cinema, entraram «em rotura com as formas dominantes de cinema popular e académico» (Gauthier: 2004, 48) e levaram a algumas das mais interessantes e abertas formas de representação do real, em filmes, simultaneamente, poéticos e documentais, como Manhatta (1921), de Paul Stand e Charles Sheeler, De Brug (A Ponte, 1928) e Regen (Chuva, 1929), de Joris Ivens, Twenty Four Dollars Island22 (1926-1927), de Robert Flaherty, Inflation (1928), de Hans Richter, La Tour (1928), de René Clair, H2O (1929), de Ralph Steiner, ou Douro, Faina Fluvial (1929-1931), de Manoel de Oliveira. Filmes assentes numa dimensão sensorial e subjetiva do real que remete para a subjetividade das experiências e dos próprios processos perceptivos, onde o interesse pela representação da realidade, comum ao experimental e ao documental, converge para o documental, claramente institucionalizado depois de 1930, à medida que as questões históricas, sociais, ideológicas e de guerra se vão afirmando determinantes.

(...) o documentário poético partilha um terreno comum com o modernismo da avant-garde. (...) A dimensão do documentário, em relação ao modo poético de representação, resulta grandemente da maneira como os filmes modernos se apoiam no mundo histórico como fonte material. (...) O modo poético começa em conjunto com o modernismo como uma forma de representar a realidade em termos de uma série de fragmentos, impressões subjetivas, atos incoerentes e associações livres. (Nichols, 2001: 102-103)

A fixação dos três elementos sonoros que acompanham o desenvolvimento do cinema sonoro - a palavra e a sua vocalização, a música e a sua orquestração, os ruídos e a sua composição em sons ambiente - decorrerá, no documentário dos anos 30 e 40 do século XX, de modo a potenciar a vasta diversidade de experimentações sonoras, áudio-fónicas e áudio-visuais entretanto realizadas, e a acrescentar expressividade polifónica ao discurso documental.

Sonoridades do documentário

O documentário começou por adoptar modalidades de representação do homem e do social tão diversas como as que emergiram do “discurso”, explicitamente ideológico e propagandístico, dos filmes de Dziga Vertov, Leni Riefensthal e Joris Ivens, ou de propaganda social, promocional/comercial e educativa desenvolvida pelo movimento documentarista britânico e estado-unidense. Documentários próximos às grandes causas da industrialização, do combate ideológico e da guerra, que se mostram menos sensíveis à profundidade do gesto e do olhar que motivou Robert Flaherty, Jean Vigo23, Luís Buñuel ou Humphrey Jennings, e mais reveladores de uma ausência de “voz” e de interpelação quotidiana dos cidadãos, que contrarie a proximidade entre cultura industrial e ação artística de massas então existente.

Anstey: (...) As pessoa vulgares nunca demonstravam sinais de fraqueza, nos nossos documentários mais antigos, excepto, mais tarde, em Housing Problems, quando se lhes foi permitido algum humor e alguns defeitos. Este é o grande contraste entre o tratamento dado às pessoas nos documentários mais antigos e os mais recentes - não só em Inglaterra; o mesmo é verdadeiro para Cavalcanti, em França e Ruttmann, em Berlim, e com os russos. Na verdade, o homem era sempre o símbolo heroico, a não ser que fosse um kulak ou explorador de terras. Nos nossos filmes não lidávamos com esse género de pessoas, mas o vulgar trabalhador era visto como um símbolo heroico. Flaherty afastou-se um pouco - mas não muito - deste ponto de vista. (Sussex: 1975, 18)

Aproximação ao real que funde o “cine-olho” de Dziga Vertov cuja influência24 se estendeu praticamente a todo o documentarismo social, com a reconhecida, e sequencialmente descritiva, capacidade de narrar introduzida pelo naturalismo antropológico25 de Flaherty em Nanook (1920-1922), Moana (1926) e Man of Aran (O Homem e o Mar, 1934).

Duas décadas de desenvolvimento sonoro do documentário, durante as quais Dziga Vertov realizou Entusiasmo/ Sinfonia de Donbass (1930) e Três Cantos para Lenin (1934), experimentando os princípios de “cine-olho” e “rádio- orelha” nas relações contrapontísticas e de sincronismo sonoro-visual. Luis Buñuel levou o narrador a assumir-se como “voz de comentário” que interpreta, de forma assumidamente vivenciada, a realidade visível em Las Hurdes, Tierra sin Pan (Terra sem Pão, 1932), cântico de lamento consistente com um certo Surrealismo26 “social” perseguido por Buñuel e com a intencionalidade de realismo social e político resultante dos objectivos do filme, recusado pelo governo republicano por dar uma imagem miserável de Espanha. Leni Riefenstahl, nos seus filmes, Der Triumph des Willes (O Triunfo da Vontade, 1935) e Olympia (Olympia: Os Deuses dos Estádios, 1938), deu um tratamento sonoro exaustivo e rigoroso, do ponto de vista da valorização da palavra como privilégio do poder, recorrendo ao sincronismo e a uma gestão informativa do silêncio. Robert Flaherty, em Man of Aran (1934), recorreu à dobragem e à dramatização sonora em estúdio.

Mas seria dentro do Movimento Documentarista Britânico que muita da influência sonora das vanguardas se faria sentir, sobretudo durante a fase de produção do GPO Film Unit (Goverment Post Office, 1933-1940), fundado por John Grierson, e da sua prosseguidora, a Crow Film Unit (1940-1952), inicialmente dirigida por Alberto Cavalcanti. Coincidente com a formação do GPO, foi o surgimento do sonoro e o contributo27 particularmente determinante de Cavalcanti, não só como realizador, mas sobretudo como produtor e sonoplasta, depois de integrar a avant-garde francesa (onde realizou diversos filmes, entre 1925 e 1930) e de desenvolver pesquisas sonoras28 que o levariam a ser convidado por Grierson em 1934: «Tomei na equipa de Grierson o lugar de Flaherty [na imagem] como instrutor.

Estava obcecado pela banda sonora e comecei, então, uma série de experiências nesse sentido» (Cavalcanti, 1957: 66). GPO que contou, entre outros, com o contributo dos animadores, Len Ley e Norman Mac Laren, que seguiriam com Grierson para o National Film Board of Canada/Office National du Film du Canada, dos músicos, Walter Leigh, Maurice Jaubert, Benjamin Britten, Ernest Mayer e Darius Milhaud, dos poetas, W. H. Auden, e Montagu Slater, e dos cineastas, Basil Wright, Harry Watt, Paul Rotha, Edgar Anstey e Arthur Elton, para além do próprio Grierson e de Cavalcanti. Dele resultariam três documentários sonoros essenciais: The Song of Ceylon (1934), Coal Face (1935) e Night Mail (Correio Nocturno, 1936), o primeiro de Basil Wright, o segundo de Cavalcanti e o terceiro de Harry Watts e Basil Wright. Documentários que confirmam a importância estrutural da música, como composição sonora de colagens rítmicas introduzidas pelas experimentações modernistas, e da sua orquestração de vozes e ruídos, presente nas composições de Walter Leigh ( The Song of Ceylon) e Benjamin Britten (Coal Face e Night Mail), onde surgem combinadas, nestes dois últimos filmes, com a poesia de W. H. Auden.

The Song of Ceylon, onde o experimentalismo visual de Basil Wright e sonoro-musical de Walter Leigh é mais perceptível, em palavras e imagens cujo relacionamento, mais do que evidente ou redundante, resulta descritivo e de sugestão, de modo a que a “informação” que sobressai do narrador seja partilhada pelo conjunto da composição sonora. Recurso ao narrador e à sua leitura dos escritos de viagem elaborados por Robert Knox, em 1680, indutores de uma ancestralidade e intemporalidade aparente que traspassa o Ceilão contemporâneo ao filme, em tudo contrastante com a frenética modernidade das Vozes do Comércio29, plenas do ruído electró- comunicacional dos telégrafos, de vozes apressadas e sobrepostas, de silvos de comboios e navios, de sons das máquinas que obrigam a um contínuo e cadenciado movimento de corpos.

Leight criou todo o comentário numa pista sonora e montou-o com Wright (assistido por Cavalcanti). De acordo com Wright, toda a estrutura do filme foi planeada na sala de montagem, onde o som e a imagem se influenciaram mutuamente, de forma que o som influenciou a construção da imagem e vice-versa. (Leigh, 1935: 74)30

The Song of Ceylon (1934) e Night Mail (1936) onde Cavalcanti31 colaborou na supervisão sonora, contribuindo com plasticidades sonoras como as que viria a desenvolver no seu filme, Coal Face (1935), onde a entoação rítmica das palavras e da composição sonoro-musical chega a ser maquinal na sua interação com o coro operático, assumindo contornos de comentário («aaaaaah» na queda do carvão da mina) no modo como enfatiza os acontecimentos («going out, going out,...», perante a subida do elevador).

Poesia de Auden, música de Britten, direção de som de Cavalcanti que, em Night Mail (1936), afirmam as possibilidades poéticas do sincronismo (presentes na cena noturna dos sacos-correio) e da interpretação musicada do texto do narrador, secundado pelo ruído compassado do trilhar das linhas do comboio, enquanto afirma, na vertigem de um apito, «6 milhões de quilómetros por ano! 500 milhões de cartas por ano!». Expressividade musical e da voz, que, na sequência final, parece assumir uma cadência idêntica à da locomotiva a vapor do Correio Especial.

Novas possibilidades de desenvolvimento sonoro do documentário, às quais Dziga Vertov deu um contributo essencial, ao ensaiar e divulgar, através do seu filme, Entusiasmo/Sinfonia de Donbass (1930), uma vasta diversidade de interações entre a narrativa visual, a voz do narrador, o sincronismo da fala, a incorporação musical dos ruídos e o sincronismo contextual dos sons ambiente. Um ano após ter realizado O Homem da Câmara de Filmar, Vertov compõe uma “sinfonia de ruídos” reveladora da importância expressiva dos conceitos e das práticas de experimentação sonora mais vanguardistas.

A historiadora de cinema Lucy Fischer deu-nos uma valiosa descrição acerca de como Vertov produziu a sua complexa interação do som com a imagem durante a primeira parte do seu primeiro filme sonoro, Entusiasmo: Sinfonia de Donbass. As quinze categorias incluíam som a-corporal, som sobreposto, inversão temporal do som e da imagem, cortes abruptos no som, contrastes tonais abruptos, montagem do som para criar um efeito de ligação física inapropriada à imagem, colagem sonora sintética, sons inapropriados, desajuste da profundidade sonora, desajuste do som e da localização visual, uso metafórico do som, distorção sonora, reflexividade tecnológica, associação de um som a várias imagens, e simples assincronismo entre som e imagem. Em outras situações Vertov modificou a velocidade do som, inverteu-a, e implementou uma simbologia geral de sons produzidos.32

É necessário que os pensamentos fluam diretamente do ecrã, sem o toque das palavras. Ou que as palavras estejam sincronizadas com os pensamentos e não perturbem a percepção.33

Conclusão

As origens sonoras do cinema resultam da necessidade, desde sempre sentida, de conjugar visão e audição, se possível, de modo a que a gravação e a reprodução técnica obtida resultasse síncrona, com duração e em movimento. Posteriormente, foram diversas as tentativas de proporcionar acompanhamento sonoro às projeções cinematográficas, desde sempre envoltas, de forma esporádica ou encenada, pela expressividade da voz, da música ou do ruído e dos sons ambiente. Tentativas de compreensão e de aproximação entre o espectador e o cinema, entre o real e a sua representação cinematográfica em imagens e sons, que tanto levaram à experimentação de interacções e à procura de sincronismo, como à defesa da primazia da imagem e do assincronismo. Ao ensaio de novas plasticidades sonoras e visuais que contam, em grande medida, com o contributo experimental das vanguardas modernistas.

Vanguardas que introduziram roturas e permitiram o regresso da arte à vida e ao real, ao ruído como elemento vital e estético, ao acaso, organizável em composições sonoro-musicais que conjugam a voz, também ela grito, e o fluír dissonante e atonal dos instrumentos musicais. Gravações sonoras e cinematográficas, performances musicais e intermédia, onde se sobrepõem e justapõem realidades em collage.

Cinema sonoro e de atracções, de aproximação poética à arte, que fixa e manipula a realidade de modo documental, assumindo, mesmo quando mais institucional ou combativo, as múltiplas dimensões de plasticidade visual e sonora introduzidas pelas vanguardas, ao mesmo tempo que usufrui da impossibilidade de “cinema direto”, do assincronismo, da dobragem e da recriação.

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Notes

1CAVALCANTI, Alberto - “Sound in Films”, 1939. http://lavender.fortunecity.com/hawkslane/575/sound-in-films.htm

2CLAIR, René - “The Art of Sound”, 1929. http//lavender.fortunecity.com/hawkslane/575/art-of-sound.htm

3CAVALCANTI, Alberto - “Sound in Films”, 1939. http://lavender.fortunecity.com/hawkslane/575/sound-in-films.htm

4EISENSTEIN Sergei M., PUDOVKIN Vsevolod, ALEXANDROV Gregori (1928) - A Statement on the Sound-Film, in, EISENSTEIN, Sergei M. (1949) - Sergei Eisenstein: Film Form, Essays in Film Theory. Nova Iorque e Londres: A Harvest/HBJ Book, 1949. ISBN: 0-15-630920-3, 257-259 pp.

5Douglas Kahn (2001: 142) cita: «Vertov, “Replies to Questions,” ibid., 105-6».

6MARINETTI, Filippo Tommaso - “The Futurist Manifesto”: DANCHEV, Alex, ed., 1000 Artists’ Manifestos, From the Futurists to the Stuckists. Londres, Penguin Classics, 2011, 4-8, ISBN: 978-0-141-19179-9.

7PRATELLA, Francesco Balilla - Manifesto dos Músicos Futuristas, 1910. http://www.unknown.nu/futurism/musicians.html

8RUSSOLO, Luigi - The Art of Noise (futurist manifest, 1913), The Great Bear Pamphlet-Somethind Else Press, 1967/UBU Classics, 2004 [1913], 7 pp. http://www.ubu.com/historical/russolo/index.html

9Russolo divide o ruído nas seis categorias que deveriam servir de referência à orquestra acústico-musical futurista: «1/ Rugido, palmas, barulho de queda de água, falar alto; 2/ Assobios, roncos, urros; 3/ Sussurrar, resmungar, murmurar, rugido, gemido, gargarejo; 4/ Som estridente, de estalo, de cochicho, de batida, de confusão; 5/ Ruídos de precursão utilizando metal, madeira, couro, pedra, terra queimada, etc.; 6/ Vozes humanas e de animal: gritos, lamentos, riso, chocalhar, chorar.», Idem, p. 10.

10LOMBARDI, Daniele - “Futurism and Musical Notes” (Artforum, translated by Meg Shore), UbuWeb Papers. http://www.ubu.com/papers/lombardi.html

11Douglas Khan (2001: 128) cita: «Herry Cowell, “Music of and for the Records” (1931), Modern Music 8, no. 3 (March-April 1931), 32-34.».

12Douglas Khan (2001: 130) cita: «Carol-Bérard, “Recorded Noises: Tomorrow’s Instrumentation,” Modern Music 6, no. 2 (January-Fevbruary 1929): 26-29 (27).

13«Como em outros aspectos da arte das vanguardas modernistas, os dadaístas procuraram no primitivismo uma fonte para o bruitism.» (Khan, 2001: 47)

14Fundado por Hugo Ball em Fevereiro de 1916, e centro fundador do movimento Dada, dele fizeram parte Tristan Tzara (1896-1963), Hans Richter (1888-1976), Marcel Janco (1895-1984) e Hans Arp (1886-1966), a quem se juntaria mais tarde Richard Huelsenbeck.

15«Hugo Ball foi o inventor destes poemas sonoros que se tornaram a forma preferida dos artistas dadaístas de palco. No poema sonoro, a ordem tradicional, a interação entre som e significado, é abolida. As palavras são dissecadas em sílabas fonéticas individuais, esvaziando assim a linguagem de qualquer sentido. Por fim, os sons são recombinados numa nova imagem sonora. Este processo rouba à linguagem a sua função.» (Elger: 2005, 12).

16Douglas Kahn (2001, 49) cita: «Hugo Ball, Flight of Time: A Dada Diary (NewYork: Viking Press, 1974), 57».

17 «O inconsciente é inesgotável e incontrolável. A sua força ultrapassa-nos. É tão misteriosa como a última partícula de uma célula cerebral. Mesmo que a conhecêssemos, não seriamos capazes de reconstrui-lo.». Tristan Tzara, citado por George Brecht, in, BRECHT, George (2004 [1966]) - Change Imaginary, Nova Iorque, The Great Bear Pamphlet, 2004 [1966], 6 pp. http://www.ubu.com/historical/gb/brecht_chance.pdf

18 Jean Mitry (1974: 156/nota 3) cita: «Alain Virmaux: «Le film surréaliste», en Etudes Cinemátographique, n.º 39, 1965.».

19NICHOLS, Bill - “Documentary and the Coming of Sound”, in, Transformation in Film as Reality (Part Two). http://www.city.yamagata.yamagata.jp/yidff/docbox/6/box6-1-e.html

20Douglas Kahn (2001: 140) cita: «Vertov, “The Birth of Kino-Eye”, in Kino-Eye, 40».

21«Marinetti compôs cinco peças para uma performance na rádio no início da década de 1930, que, ao que parece, possui certa semelhança com as técnicas de colagem e justaposição empregues por Pierre Schaeffer no seu trabalho com a música concreta, uns quinze anos depois.», afirma Russell Lack (1990: 43) citando: «Kevin Concannon (“Cut and Paste”, em Sound by Artists, Toronto, 1990, pág. 163)».

22 «(...) Enquanto o filme de Flaherty, Twenty four dollars Island, é um poema sobre a cidade de Nova Iorque, a sua arquitectura, os seus edifícios, as suas avenidas, onde predomina o olhar do pintor que procura nas linhas de fuga alguma configuração abstracta, Manhatta, ainda que muito original nos seus pontos de vista e na escolha dos ângulos, interessa-se mais pela vida das pessoas, em particular de um pequeno bairro nova-iorquino. A visão do poeta cede lugar à constatação do repórter.» (Mitry, 1974: 263).

23Jean Vigo proclama e assume, em À Propos de Nice (A Propósito de Nice, 1930), o desejo de um cinema social possuidor de uma vocação realista que aborde o real de um ponto de vista insubmisso.

24 «Apesar de conhecer o trabalho de Vertov, Grierson não o refere como uma sua influência. (...) A visão de Grierson, que dominou o panorama documental do Oeste, contribuiu para a hostilidade a que Vertov foi sujeito. As referências a Vertov eram quase sempre sarcásticas. O repúdio pelos seus filmes é, também, patente na afirmação do documentarista britânico, colaborador de Grierson, Paul Rotha (1907-1984): «Vertov we regarded really as rather a joke you know. All this cutting, and one camera photographing another camera photographing another camera - it was all trickery, and we didn’t take it seriously, quite frankly» (Winston, 1995, p. 166).» (Penafria, 1999: 121-122/nota 52)

25«Para Flaherty, a câmara funciona como um captador das forças da natureza, a realização como um revelador das forças do homem e a montagem como a sublimação dramatizada destes afrontamento. Flaherty é um poeta contista, na linha de Thoreau e Whitman. O seu cinema pretende reencontrar e restituir o natural eliminando o artificial, tanto no assunto como no método. A fim de esperar o que para ele é a verdade pura, o explorador escolheu todos os seus assuntos (com exceção de dois filmes industriais de encomenda: Industrial Britain, 1933 e The Land, 1939) fora dos atentados da civilização moderna.» (Niney, 2000: 49).

26«A simples representação das condições de vida de um povoado espanhol miserável, integrará a realidade incontestável das imagens surrealistas mais crueis que existem. Em particular, aos asno mortos sobre os pianos corresponderá um asno devorádo vivo pelas abelhas. [...] Este itinerário é significativo desse sentido onde ele resume toda a orientação do surrealismo, partindo da presciência como laboratório de imagens ou de acontecimentos restituídos de acordo com a realidade7.» (Gauthier, 2003: 55/7 «Chris Maker, L’Avant-garde française, 1950.»)

27Entre os colaboradores do GPO, contavam-se os animadores, Len Ley e Norman MacLaren, que seguiriam com Grierson para o National Film Board of Canada/Office National du Film du Canada, os músicos, Walter Leigh, Maurice Jaubert, Benjamin Britten, Ernest Mayer e Darius Milhaud, os poetas, W. H. Auden, e Montagu Slater, e os cineastas, Basil Wright, Harry Watt, Paul Rotha, Edgar Anstey e Arthur Elton, para além do próprio Grierson e de Cavalcanti.

28 «Mal sabia que deste estágio na Paramount e desta série de “vaudevilles” franceses, eu adquiriria uma experiência técnica que ia ser um grande trunfo para o meu futuro. E então, eu que desde o começo do “sonoro” tinha perdido toda a esperança de filmar um tema que me agradasse e sobretudo de usar o som como eu pressentia que deveria ser usado em cinema, ouvi de repente a resposta: — “Fique connosco, divirta-se explicando aos rapazes as suas ideias sobre o som. Ainda não fizemos nada a esse respeito.”» (Cavalcanti, 1957: 73).

29O documentário é constituído por quatro partes: O Buda, As Ilhas Virgens, As Vozes do Comércio e O Apelo de Deus.

30SEXTON, Jamie - “The Audio-Visual Rhythms of Modernity: Song of Ceylon, Sound and Documentary Filmmaking”, University of Wales, Aberystwyth, Reino Unido. http://www.nottingham.ac.uk/film/journal/articles/audio-visul-ryhthms.htm

31«Em, Song of Ceylon, a banda sonora foi uma experiência; ao que parece, foi grande a contribuição de Cavalcanti, como supervisor de som. Em Coal Face tinha-se experimentado, com pouco sucesso, na banda sonora em verso. A narração suave e rítmica de Night Mail, da autoria de W. H. Auden e musicada por Britten, foi um enorme sucesso, e tornou-se modelo para numerosas imitações. O filme foi editado ao ritmo da banda sonora. Um poema lírico que celebrava a agitação do envio da correspondência para as casas e empresas do norte da Inglaterra e da Escócia, Night Mail, contagiou outras obras em espírito e estilo - um duradouro clássico do cinema.» (Barnouw, 1993: 94)

32Douglas Khan (2001: 142) cita: «Lucy Fischer, “Enthusiasm: From Kino-Eye to Radio-Eye”, in Film Sound: Theory and Practice, ed. Elisabeth Weis and John Belton (New York: Columbia University Press, 1985), 247-64.».

33 Piault (2000: 62) cita: «Dziga Vertov, 1972, p. 352».

José Alberto Pinto

«Nascido em Portugal, em 1966, formou-se em cinema e vídeo pela Escola Superior Artística do Porto. Autor de diversos filmes, sobretudo documentários, mas também experimentais e de vídeoarte, tem vindo a explorar as possibilidades artísticas do sonoro. É docenteda da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde frequenta a vertente de Artes Plásticas do Doutoramento em Arte e Design.